Esta entrevista é de propriedade de Rolling Stone Japan, feita em Março de 2025 por Jin Otabe, nós apenas traduzimos, sendo assim com todos os créditos dados aqui.
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Se autodenominando uma "banda de K-POP alternativo", o Balming Tiger é um coletivo criativo multicultural que vive buscando se expressar de forma única. Com 11 membros com habilidades que vão da produção musical à direção criativa, eles misturam a cultura e a música coreanas — suas raízes — com influências de toda a Ásia e da cultura pop ocidental, criando um som original e super ousado.
Depois de lançar a nova faixa Wash Away como tema da série da NHK “Tokyo Salad Bowl”, e de anunciarem sua segunda participação no Fuji Rock desde 2023, o grupo segue ganhando espaço não só na Europa, nos EUA e na Ásia, mas também no Japão.
Em fevereiro deste ano, eles vieram ao Japão para se apresentar no RADIO SAKAMOTO Uday - NEW CONTEXT FES × DIG SHIBUYA. Nessa entrevista, cinco integrantes — Omega Sapien, sogumm, Mudd the student, bj wnjn e Leesuho — falam sobre o processo criativo que envolve uma aura quase espiritual, como um ritual místico ou cerimônia sagrada. Eles também abordam o olhar crítico que têm sobre a sociedade atual e compartilham os bastidores sinceros por trás da criação de suas músicas.
Aqui, o Balming Tiger fala sobre o que, pra eles, é a receita pra criar um som realmente "daora": que ressoa com as pessoas, que cura, que salva.
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Da esquerda para a direita: Omega Sapien, sogumm, Leesuho, Mudd the student e bj wnjn (Foto por Yukitaka Amemiya) |
A performance como um “grito pra outra dimensão”
— Assisti ao show de vocês no festival tributo ao Ryuichi Sakamoto, no dia 10 de fevereiro, e fiquei impressionado. Ao mesmo tempo que foi impactante, senti algo quase sagrado ali. Me lembrou um vídeo que vi uma vez, de um ritual coreano chamado mudang, em que uma xamã incorpora divindades. Parece que vocês pegam algo meio estranho, até meio sombrio, e transformam em algo com humor e estilo. Isso faz parte da essência do Balming Tiger?
Omega Sapien: Pra mim, performance é tipo “feitiçaria do século 21”. Imagina um alien que nunca ouviu falar de música chegando na Terra e assistindo ao nosso show de ontem — ele provavelmente ia ver um monte de gente sintonizada na mesma frequência, vibrando junto. Acho que não veria muita diferença entre isso e um ritual espiritual ou mágico. No fundo, é tudo a mesma coisa. Só que, claro, a gente atualizou isso pro mundo de hoje, né? Mas não é como se eu subisse no palco pensando “vou fazer um feitiço do século 21 agora!” (risos).
sogumm: Pensar num alien escrevendo um relatório sobre o show de ontem seria hilário. Imagina ele tentando entender por que os humanos estavam todos reunidos ali. Provavelmente escreveria algo como: “Os humanos se juntaram pra compartilhar emoções como tristeza e alegria. Alguns subiram no palco e guiaram os outros, que gritavam e dançavam juntos.” Se for ver por esse lado, realmente tem bastante em comum com os rituais de mudang.
Omega Sapien: Em coreano tem uma palavra, “신난다” (shinnanda, algo como “tô animado” ou “tô empolgado”), que dizem que vem de um significado antigo: “o deus veio e foi embora”. Vi isso num vídeo curto, então não sei se é 100% verdade (risos), mas acho que descreve bem o que a gente tenta fazer. Nossas performances talvez sejam tipo isso mesmo: um grito lançado pra uma dimensão invisível.
Apresentação no Fuji Rock, durante a edição de 2023
— Compartilhar emoções por meio da música é algo importante pro Balming Tiger?
sogumm: Como alguém que sobe no palco, eu carrego um senso de responsabilidade muito forte. Pra mim, a performance é um momento de compartilhar dor, alegria… Por isso, eu sempre faço uma oração antes de entrar. A gente não tá ali só pra se divertir — eu encaro isso como algo que pode, de verdade, mudar a vida de alguém.
— E esse sentimento de responsabilidade como artista e criadora, veio de algum momento específico?
sogumm: Acho que foi algo que fui percebendo aos poucos, conversando com os outros membros, viajando junto, dividindo refeições e vivências. Uma coisa que todo mundo no grupo tem em comum é que, de alguma forma, a gente foi salvo pela música. Todos nós passamos por momentos de solidão, desespero, chegamos bem perto do fundo do poço… E foi a música que nos segurou ali.
Quando começamos o Balming Tiger, eu nem pensava em responsabilidade ou algo do tipo. Mas com o tempo, ficou claro que música é algo que você não consegue fazer pela metade. Mesmo se a gente estiver se divertindo durante o processo criativo, precisa ser de verdade. Porque a gente sabe o quanto a música tem poder. Ela pode salvar alguém. E quando eu subo num palco, esse pensamento me acompanha: “Talvez, com esse show, eu possa ajudar alguém aqui. Talvez eu possa dar força pra alguém.” É por isso que hoje eu levo isso tão a sério.
No começo, achava que só eu sentia isso (risos). Pensava que o resto tava ali mais na vibe da diversão, como um hobby. Mas vendo o quanto todo mundo se entrega, percebi que eles sentem o mesmo. O pessoal do Balming Tiger encara a música de peito aberto, com o coração mesmo.
— Caramba, que fala linda… (emocionado, segurando a testa). Sinto que agora entendi de onde vem essa sensibilidade humana por trás da estética ousada do Balming Tiger.
Todos: (gargalhadas e aplausos)
Omega Sapien: Pode mandar mais perguntas, viu? (risos)
A nova música "Wash Away" e o "alívio" trazido pela ressonância
— Me contem sobre a nova música “Wash Away”. Ela é tema do drama Tokyo Salad Bowl, que se passa em uma Tóquio multicultural e caótica, acompanhando um policial e uma intérprete como dupla. A faixa parece se alinhar bastante com esses temas, né?
Mudd the student: Essa música começou com um demo que eu fiz junto com o Unsinkable, nosso DJ/produtor. Como Tokyo Salad Bowl retrata a vida cotidiana das pessoas em Tóquio, a gente quis captar o caos, a correria, a confusão desse cenário na música. A ideia era transformar o som na imagem de pessoas tentando viver com tudo isso em volta — uma cidade sobreposta por culturas e realidades. Mas no fim, o que a gente mais queria era que a música pudesse curar as pessoas. Que mesmo com toda essa intensidade, ela trouxesse um pouco de alívio.
— E sobre o som em si? Tem um groove que lembra o Motown, mas também um quê de indie rock seco, quase garage, com aquela vibe meio 2000s, tipo o revival do pós-punk. Até senti uma influência de Pharrell Williams ali no meio.
Mudd the student: Sim, eu e o Unsinkable somos muito fãs de pós-punk. Em músicas como “SOS” ou “Trust Yourself”, que a gente já lançou, dá pra sentir isso. No caso de “Wash Away”, o Unsinkable trouxe uns beats inspirados no som do Motown e na pegada de bateria meio The Strokes, sabe? E aí naturalmente minhas guitarras saíram com essa mesma cara. Cada um na banda tem um gosto bem diferente, mas tem alguns artistas que a gente todo mundo ama. Quando é coisa do Balming Tiger, essas influências acabam vindo à tona. Não dá pra ignorar o quanto a gente é influenciado por artistas como o N.E.R.D e os próprios Strokes. Isso acaba moldando bastante o som.
— A linha "Everything is different, Everyone is struggling" é incrível. Acho que ela captura a sensação de um mundo complexo e caótico, onde a juventude da atualidade, apesar de estar lutando contra tudo isso, vive essa fome de algo mais profundo, algo que nos conecta no presente.
sogumm: Essa linha fui eu quem escrevi, e não foi tanto para criticar ou fazer uma análise sobre os tempos em que vivemos. A intenção foi passar uma mensagem de conforto: "Todos nós somos diferentes, e todos nós estamos lutando. Se você está passando por isso, saiba que não está sozinho." É mais uma forma de acalmar, mostrar que a luta é compartilhada.
bj wnjn: Quando escrevo letras, é como se estivesse escrevendo uma carta para mim mesmo. Eu também estou vivendo agora, então minhas próprias percepções sobre o que está acontecendo no mundo acabam surgindo de forma natural. As pessoas podem entender isso como crítica ou análise, mas o meu foco nunca foi esse. A ideia é mais pessoal, compartilhar experiências que podem gerar empatia. E eu acho que essa empatia é o que pode proporcionar um tipo de "cura".
sogumm: Exatamente, é como se fosse um monólogo interno. O sistema acaba nos deixando famintos, sempre pedindo mais e mais. E isso nos faz perder de vista o que realmente precisamos, o que estamos buscando de verdade. Quando pensei em Tokyo Salad Bowl, a imagem que veio à mente foi de uma geladeira cheia de vegetais de várias cores, lindos e nutritivos. É um reflexo do mundo diverso e belo que o filme retrata, onde diferentes pessoas coexistem. E minha vontade era, através da música, oferecer algum tipo de alívio para essas pessoas, essa energia de cura.
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Foto por Yukitaka Amemiya |
— Não só "Wash Away", mas a expressão de Balming Tiger parece abordar de maneira crítica a sociedade contemporânea. Por exemplo, o clipe de "UP!" mostra jovens trabalhando em um supermercado, o que pode ser visto como uma crítica ao distanciamento humano na sociedade capitalista avançada. Como vocês lidam com esses temas em suas expressões artísticas? Até que ponto essas questões sociais estão presentes de forma consciente no trabalho de vocês?
Leesuho: O clipe de "UP!" foi dirigido por mim, e, como o bj wnjn mencionou antes, nossa intenção não é tanto fazer uma crítica direta à sociedade, mas sim mostrar nossa própria realidade. Não queríamos passar a mensagem de "vocês estão errados" ou "deixem-nos ensinar algo", mas sim "nós também carregamos essa dor e essa dificuldade". O objetivo era mais mostrar nossa própria história, a nossa luta, e como isso se conecta com o que muitos outros estão vivendo. É como se quiséssemos refletir a nossa verdade de maneira honesta, sem tentar impor uma lição, mas apenas mostrar que não estamos sozinhos nessa.
— Vocês acham que o sofrimento que sentem é algo universal?
bj wnjn: Acho que sim, é universal. Estamos lidando com dilemas humanos, com as angústias típicas da juventude, com os impactos do avanço da tecnologia… Tudo isso tem uma certa universalidade. Mas, o que eu realmente penso é que, mesmo quando o sofrimento está bem diante das pessoas, muitas vezes elas não percebem. Não foi algo que a gente quis retratar de forma intencional, tipo "vamos falar disso", mas quando você tenta representar o dia a dia de alguém vivendo nesse sistema capitalista avançado, essas questões acabam aparecendo naturalmente.
sogumm: Mesmo quando falamos coisas bonitas ou idealistas, não dá pra ignorar que precisamos ganhar dinheiro pra viver. A gente quer fazer um álbum bom, usar roupas legais, comer comida gostosa… esses desejos existem. Mas, ao mesmo tempo, fico sempre me perguntando: “o que realmente importa?”. No meio de toda essa confusão, sinto que estou sempre tentando encontrar essa resposta.
bj wnjn: Uma das coisas que acho que todos nós no Balming Tiger temos em comum é essa vontade de quebrar as regras, esse espírito de resistência. Parece que todos queremos nos libertar de regras e amarras que nos limitam.
sogumm: É verdade. Ser taxado de "não pode isso", desistir antes mesmo de tentar, ou ser preso a tradições e regras sem sentido… tudo isso parece uma grande perda de tempo pra mim.
—Desde o início da carreira, o Balming Tiger sempre foi um grupo que soube fundir habilmente a cultura ocidental com elementos orientais, não só no som, mas também no aspecto visual. A fusão entre motivos tradicionais ou típicos e a cultura pop pode acabar ficando cafona, dependendo da forma como é feita. Existe algum segredo para isso?
Omega Sapien: Na minha visão, justamente as partes de uma cultura que as pessoas acham meio "nada a ver" ou "meio bregas", são as que, se a gente se aprofundar de verdade, podem acabar se tornando estilosas. É como aceitar o que é considerado brega e ir mais fundo, procurar a essência daquilo.
sogumm: Na Coreia, tem uma frase que diz: "O que é mais coreano é o que é mais global". Tem algo parecido no Japão? Quer dizer, aquilo que é extremamente local pode ser, na verdade, algo global.
—Parece que esse tipo de pensamento é comum entre muitos inovadores que querem se lançar para o mundo.
Omega Sapien: Ah, mas hoje em dia tem muita gente pelo mundo dizendo coisas como "a Ásia é legal", né? Mas eu, pessoalmente, prefiro pensar assim: “A Ásia é legal porque eu sou legal.” Depois de ter trabalhado em vários países, percebo que todos têm seus prós e contras. A Coreia tem as dificuldades dela, o Japão também. Mesmo nos EUA, que muita gente vê como um lugar livre, tem regras próprias bem rígidas. Por isso, acho que o mais importante é ter um eixo pessoal. Porque quem tem que encarar essas dificuldades, no fim das contas, somos nós mesmos.
Acho que todo músico quer ouvir e criar músicas que sejam incrivelmente estilosas. Eu mesmo, quando morava nos Estados Unidos, ouvia hip hop feito louco e tinha uma fase em que pensava: “É isso aqui que define o que é ser estiloso”. Mas, depois de muitos caminhos e desvios, acabei voltando às minhas raízes. No fim das contas, acreditar que “eu sou estiloso, então o que eu crio também é estiloso” é algo realmente importante.
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Foto por Yukitaka Amemiya |
—Durante o show recente, vocês disseram no MC que “querem fazer mais atividades no Japão!”, e agora estão confirmados no Fuji Rock neste verão. Estamos muito empolgados!
Omega Sapien: Sim, fiquem animados! E quanto mais pessoas esperarem por nós, mais vamos poder fazer por aqui também.
—Por fim, poderiam deixar uma mensagem para os fãs japoneses?
sogumm: Eu tenho vários artistas japoneses com quem gostaria de colaborar. Como a Akitsuyuko-san, por exemplo. Ficaria muito feliz se pudéssemos trabalhar juntos no futuro.
Leesuho: Ultimamente tenho assistido anime japonês praticamente todos os dias, e quando venho ao Japão, é como se eu tivesse entrado naquele mundo. Só de visitar já me sinto mais animado, então quero vir com mais frequência.
Omega: Parecido com o Leesuho, eu gosto de assistir programas de variedade japoneses com legenda. Fazer uma entrevista como essa, pegar um táxi até Roppongi e participar de um programa de rádio... tudo isso parece que fui transportado pra outro mundo, como se eu tivesse reencarnado num universo paralelo como uma celebridade japonesa (risos). Quero muito que o Balming Tiger atue ainda mais no Japão.
Mudd the student: Acho que nosso grupo foi muito influenciado pela cultura japonesa. Eu mesmo sempre admirei a cena de indie rock do Japão e continuo sendo influenciado por ela. Agora que estamos começando oficialmente nossas atividades por aqui com “Wash Away”, seria maravilhoso se as pessoas que curtem esse tipo de som também pudessem sentir o Balming Tiger mais de perto.
bj wnjn: Acho que começamos com o pé direito, então vamos nos esforçar bastante. Todo o carinho de vocês está chegando direitinho até a gente!