Esta entrevista é de propriedade de Stereogum, feita em 21 de Abril de 2021 por Lucy Dean Stockton, nós apenas traduzimos, sendo assim com todos os créditos dados aqui.
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Durante nossa entrevista, Omega Sapien, do Balming Tiger, pega um pequeno potinho de Tiger Balm (força máxima) da mesa e o levanta diante da tela do computador, enquanto eu ergo o meu (versão original) para a câmera do laptop, sorrindo. Quem conhece, sabe: Tiger Balm é um milagre.
Mais especificamente, é uma pomada tópica para músculos. Segundo a própria lenda da marca, ela foi desenvolvida por um herbalista da corte imperial da Dinastia Qing, feita de cânfora e mentol — ingredientes que dão aquela sensação refrescante e, de certo modo, viciantemente agradável.
Ela estimula a circulação sanguínea, então atletas usam para se recuperar de lesões e aliviar dores musculares. Já pessoas comuns aplicam para ficar acordadas em viagens longas ou curar dores de cabeça.
E esse coletivo musical de Seul usa o nome da pomada de forma brincalhona — embora, infelizmente, nem eu nem o Balming Tiger sejamos patrocinados pela Tiger Balm, Inc.
O Balming Tiger, que às vezes assume a forma de um supergrupo, banda, gravadora ou estúdio criativo — dependendo do dia — acabou se tornando uma metáfora perfeita para o remédio herbal que inspirou seu nome. Assim como o ingrediente ativo do Tiger Balm, o mentol, o trabalho deles é surpreendentemente original e imprevisível — pega você desprevenido, e cada projeto vem com um som novo e uma atitude positiva que parece não ter fim. Na biografia oficial, o grupo descreve sua música como algo de difícil definição: “K-pop alternativo e multinacional”. Na nossa conversa, Omega mantém o discurso, chamando o estilo deles de “underground K-pop, extra-alternativo”.
A música do Balming Tiger mal lembra os grupos de K-pop produzidos por grandes corporações que o mundo conhece — como BTS e BLACKPINK, que ajudaram a transformar o gênero em uma indústria global de 5 bilhões de dólares. Além do idioma em comum (a maioria das músicas deles é em coreano e inglês), o K-pop de alto orçamento costuma ser um caldeirão maximalista de pop, EDM e hip-hop, tudo em produções grandiosas e impecáveis.
Já o som do Balming Tiger e de seus artistas afiliados é muito mais livre e experimental, dobrando gêneros de formas inusitadas. Os discos deles passeiam de um indie rock torto até hip-hop com groove de funk e rap digitalmente manipulado, muitas vezes misturando melodias de videogame e conversas aleatórias em interlúdios inesperados.
É algo bem distante do som polido e das coreografias milimetricamente ensaiadas que caracterizam a indústria do K-pop mainstream — mas, ao mesmo tempo, o grupo se insere culturalmente dentro desse universo. “A gente definitivamente faz parte do K-pop, porque K-pop não é um gênero, é um fenômeno”, diz Omega. “É simplesmente música que vem da Coreia.” O grupo tem sua base no “centro da subcultura coreana”, no bairro de Itaewon, mas seus integrantes são multinacionais — vindos do Japão, da China e de várias partes do interior da Coreia. O Omega Sapien — vocalista e rosto mais conhecido da banda, que lançou hoje sua nova faixa solo “CHROMEHEARTSRING” com Lil Cherry — é praticamente um retrato em miniatura da experiência do grupo. Ele cresceu como um “third culture kid”, morando entre Coreia, China, Estados Unidos e Japão.
Hoje, o Balming Tiger se apoia nessas origens diversas para criar uma estética pan-asiática — misturando referências de anime, artes marciais, comida por delivery, futurismo cyberpunk, uniformidade e até humor negro. Enquanto isso, o som deles evoluiu para uma fusão global de estilos, misturando o indie melancólico das “sadgirls” com as power ballads dos anos 90, riffs com pegada de funk e raps explosivos. Pra ter uma ideia do alcance e da variedade da música que eles fazem, já compararam o som do Balming Tiger a artistas tão distintos quanto 100 gecs, Girls’ Generation, Brockhampton, Keith Ape e Abra.
O último lançamento completo da banda, o EP de duas faixas JUST FUN! / LOOP?, lançado em fevereiro, mostra bem o alcance praticamente ilimitado do Balming Tiger.
O clipe psicodélico de “JUST FUN!” começa com os quatro integrantes em versões minúsculas, se contorcendo sobre uma cama de alface, provocando uns aos outros em um restaurante e dançando felizes no estúdio. A faixa é guiada por um riff de guitarra repetitivo, caixas marcadas e um equilíbrio entre os vocais melódicos de wnjn e a voz suave e arrastada de sogumm, pontuados pela entrega confiante e carismática de Omega. Como um mantra, eles repetem “just fun!” sobre uma base funk suave e ritmada.
Já “LOOP?” traz um contraste mais sombrio e introspectivo, mergulhando em acordes menores e um som mais abafado. Aqui, os vocais preguiçosos e suspirados de sogumm abrem espaço para um rap frenético, entrecortado por vozes com autotune fantasmagórico e uma ambiência paranoica e densa. O som da banda é dinâmico e inventivo, mudando de forma a cada novo projeto — sempre em movimento, sempre experimental.
Como produto de sua geração, o grupo deve à internet tanto suas influências criativas quanto sua própria origem. Todos se conheceram online, onde haviam perseguido a maior parte de seus interesses criativos de forma independente, até eventualmente se encontrarem no projeto. Omega conta que estava fazendo música sozinho enquanto estudava no Japão, viu alguns mixtapes no YouTube de um selo coreano intrigante chamado Balming Tiger, visitou o local por um fim de semana, conversou com o fundador e gerente San Yawn sobre suas ambições e mudou de país imediatamente para se juntar à banda. Embora Itaewon seja hoje a base do Balming Tiger, Yawn diz que eles não são “amigos de escola ou da cidade natal, mas amigos da internet”, lembrando o antigo mundo da internet, com salas de bate-papo e encontros virtuais.
À medida que mais pessoas se juntaram, o grupo assumiu uma forma amorfa: experimentando performances ao vivo, gravando juntos no estúdio, criando videoclipes colaborativos e lançando música tanto como banda quanto como artistas individuais. Muitos já tinham carreiras solo de sucesso antes de se reunirem para colaborar nesse coletivo de afiliação flexível, como a cantora e compositora Sogumm, que há muito tempo é um pilar da cena indie coreana e é assinada por outro selo coreano, o AOMG, ou Sukhoon, um enigma que deixou a banda há dois anos, mas que tem seu próprio documentário feito por fãs dedicado a ele. Hoje, o Balming Tiger conta com nove artistas: Omega Sapien, sogumm, o diretor e DJ San Yawn, o cantor e compositor Mudd The Student, o cantor e compositor wnjn, o produtor Unsinkable, o cineasta Jan’Qui, D Abyss e o editor Henson.
É apropriado que um grupo que nasceu na internet tenha prosperado nela, acumulando milhões de visualizações em seus vídeos e conquistando uma base de fãs internacional robusta, mesmo que sua cena local tenha permanecido relativamente pequena. A atenção corporativa na Coreia é voltada para a indústria tradicional do K-pop, e os hipsters simplesmente não conseguiram atrair o mesmo financiamento ou público. A pandemia também atrapalhou seus planos, cancelando dezenas de shows internacionais que o Balming Tiger havia reservado para 2020, incluindo festivais como The Great Escape e SXSW. Ainda assim, Omega afirma que esse ano pandêmico trouxe um “tempo incrivelmente valioso” para filmar videoclipes e gravar sem pausas para turnês.
Sem a pressão de produzir seguindo um cronograma linear de conteúdo, eles puderam expandir e explorar, questionando até mesmo a direção futura do coletivo: "Pensamos: ‘O que mais poderíamos fazer?’ Pensamos em dar aulas, tipo ‘Como Ensinar Música 101’, ou memes, vídeos engraçados, sitcoms, talvez dirigir filmes. Isso nos permitiu pensar fora da música.” De forma inesperada, aquele ano acabou servindo como um retiro criativo.
O equilíbrio entre exploração criativa e casual e ambição empreendedora é uma tensão que marca a indústria musical em quase todos os níveis, mas o grupo atribui seu espírito aventureiro ao próprio sucesso. E, mesmo quando seus planos de “estourar fora do país” foram adiados, eles conseguiram um grande avanço: assinaram com a Columbia Records UK em fevereiro de 2021. Omega minimiza a conquista com humildade e um toque de incredulidade, explicando seu compromisso com a abordagem criativa aberta do grupo: "Olha, a gente só está tentando se divertir aqui em Seul, Coreia, sem orçamento, sem putaria, mas a Columbia Records nos procurou."
A internet ajudou todos eles a cultivar seus sons, absorvendo gêneros e influências de todo o mundo. Omega confessa: "Quando vejo entrevistas de outros artistas, especialmente americanos ou britânicos, eles geralmente dizem que a influência vem de casa, tipo a coleção de discos do pai. Mas pra gente, pelo menos pra mim, não acho que pais coreanos realmente toquem música em casa."
Ele ri e continua: "Nosso professor é a internet. Então a gente se aventura por conta própria e escava um espectro gigante de música. Escutamos de tudo. Como a internet é nossa influência, faz sentido falar de música sem fronteiras."
Aqui, música sem fronteiras se refere tanto aos gêneros e tradições musicais que conectam as músicas quanto aos países que ligam as pessoas — algo particularmente sensível na Península Coreana. E como um grupo multicultural, eles insistem que tudo o que criam é, por padrão, uma mistura de influências. Omega observa: "Todos viemos de partes diferentes da Coreia e do mundo. Então a gente entende bem o que é ser estrangeiro, imigrante, o chamado ‘outro’. Todos nós já passamos por isso. Sabemos que é uma besteira."
Na Coreia, que tanto San quanto Omega descrevem como uma sociedade “majoritariamente monocultural” onde “95% das pessoas têm o mesmo corte de cabelo”, eles sempre se destacam. Sua música e estética são imaginativas, às vezes belas, às vezes grotescas, mas na maioria das vezes apenas excêntricas. Omega Sapien tem a cabeça totalmente raspada, exceto por suas franjas neon verdes, e todos no grupo abraçam a vanguarda da street fashion, explorando identidade de gênero e performatividade, construindo personas não conformistas e quase cartunescas. Essa abordagem não convencional aparece claramente nos clipes, onde a direção artística parece ilimitada.
Em “Kolo Kolo”, dirigido pelo amigo de Omega, Pennacky, Omega rima ao lado de 30 homens de meia-idade meio nus, em uma sauna, em um campo de treinamento e na praia, criando uma paródia sobre uniformidade e masculinidade. Em “Armadillo”, também dirigido por Pennacky, há uma afinidade pelo bizarro, com Omega e Sukhoon se apresentando em paisagens de concreto árido, zoando os hipsters do mundo e satirizando a cultura hypebeast global. Omega conta que a abordagem deles era bem solta, chegando no set e inventando os takes na hora: “Que tal um cara dançando nu com uma máscara de alien? Beleza, vamos fazer isso.” Em muitos vídeos, há usos grotescos e inesperados de comida, cobrindo corpos, provocando repulsa ou até transmitindo saúde. Aqui, o slogan do Balming Tiger, “Joyful delivery!”, brinca com delivery de comida, integrando a culinária asiática e a cultura alimentar em toda sua estética, como se tudo fosse uma piada interna que você pode entrar junto.
“Joyful delivery!” também resume bem a missão do grupo: uma mistura natural de diversão e ambição, perseguindo seus “grandes sonhos de se expandir para fora da Coreia e fazer algo que nunca aconteceu antes”. Omega ri: “Música não é um bom jeito de ganhar dinheiro. Mas, como no empreendedorismo, você precisa amar o que faz. As conquistas vêm naturalmente depois.” E essas conquistas têm se acumulado aos poucos — ensaios fotográficos para W Mag e GQ Korea, colaborações com a Vans e a recente assinatura com gravadora — mesmo com a estrutura não convencional do grupo. Eles estão alcançando pessoas ao redor do mundo, exatamente como sempre quiseram. O slogan oficial do Tiger Balm diz: “PAIN HAPPENS. SUFFERING IS OPTIONAL.” O Balming Tiger compartilha esse otimismo: “JUST FUN!”, eles sorriem para a câmera, desafiando expectativas.





